Estrela da Vida Inteira - Manuel Bandeira

ESTRELA DA VIDA INTEIRA
Autor: Manuel Bandeira
Ano: publicado em 2007
ISBN: 978-85-209-1975-0

Introdução: Estrela da Vida Inteira é uma coletânea que traz os livros e os poemas completos de Manuel Bandeira publicados durante a vida do mesmo, editada pela Nova Fronteira.

Estrutura: a poesia de Manuel Bandeira obedece ao Modernismo, sendo uma das únicas obras em que o autor se espelha em sua própria vida, e que tenha dado tão certo. Criativo, irreverente, com seu amor às prostitutas devido a sua doença, de certa forma a poesia de Manuel Bandeira é chocante e ao mesmo tempo fascinante. Dividido em 11 partes, são elas: A Cinza das horas, Carnaval, O ritmo dissoluto, Libertinagem, Estrela da Manhã, Lira dos cinquent’anos, Belo belo, Opus 10, Estrela da tarde, Mafuá do malungo e Poemas traduzidos, que demonstram os vários livros e facetas do poeta.



Análise
Sou um pouco suspeita para falar, pois sou apaixonada por este poeta. Destacando seu estilo irreverente, atual até hoje, e sua ironia tão fina, Manuel Bandeira é um poeta que me conquistou há tempos, junto com Mario Quintana e Carlos Drummond de Andrade. Posso destacar os poemas Chama e Fumo, Os Sapos (irônico em relação ao Parnasianismo e que foi lido na Semana de Arte Moderna de 1922), Vulgívaga, Desencanto (para mim o que mais descreve sua condição de morte anunciada)., Poemeto Irônico e Poemeto Erótico.
Veja os poemas abaixo:

Chama e Fumo

Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça,
(Como te poderei dizer?...),
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas... tem de ser...
Amor?... - chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...
Teresópolis, 1911

Os Sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!" - "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!"

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
1918

Vulgívaga

Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!

Não sei entre que astutos dedos
Deixei a rosa da inocência.
Antes da minha pubescência
Sabia todos os segredos.

Fui de um... Fui de outro... Este era médico...
Um, poeta... Outro, nem sei mais!
Tive em meu leito enciclopédico
Todas as artes liberais.

Aos velhos dou o meu engulho.
Aos férvidos, o que os esfrie.
A artistas, a coquetterie.
Que inspira... E aos tímidos - o orgulho.

Estes, caçôo-os e depeno-os:
A canga fez-se para o boi...
Meu claro ventre nunca foi
De sonhadores e de ingênuos!

E todavia se o primeiro
Que encontro, fere a lira,
Amanso. Tudo se me tira.
Dou tudo. E mesmo... dou dinheiro...

Se bate, então como o estremeço!
Oh, a volúpia da pancada!
Dar-me entre lágrimas quebrada
Do seu colérico arremesso...

E o cio atroz se me não leva
A valhacoutos de canalhas,
É porque temo pela treva
O fio fino das navalhas...

Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre.

Poemeto Irônico

O que tu chamas tua paixão,
É tão-somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...

Curiosidade sentimental
Do seu aroma, da sua pele.
Sonhas um ventre de alvura tal,
Que escuro o linho fique ao pé dele.

Dentre os perfumes sutis que vêm
Das suas charpas, dos seus vestidos,
Isolar tentas o odor que tem
A trama rara dos seus tecidos.

Encanto a encanto, toda a prevês.
Afagos longos, carinhos sábios,
Carícias lentas, de uma maciez
Que se diriam feitas por lábios...

Tu te perguntas, curioso, quais
Serão seus gestos, balbuciamento,
Quando descerdes nas espirais
Deslumbradoras do esquecimento...

E acima disso, buscas saber
Os seus instintos, suas tendências...
Espiar-lhe na alma por conhecer
O que há sincero nas aparências.

E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...
O que tu chamas tua paixão
É tão-somente curiosidade.

Poemeto Erótico

Teu corpo claro e perfeito,
- Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...

Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...

É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...

Volúpia da água e da chama...

A todo momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

O Poeta
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira nasceu em Recife no dia 19 de abril de 1886 e morreu em 13 de Outubro de 1968 no Rio de Janeiro. Em meados da década de 10, ele se preparava para ser engenheiro na Escola Politécnica em São Paulo, mas adoece do pulmão no fim de 1904 e abandona os estudos. Detalhe: em meados do começo do século, o futuro poeta viaja em um bonde com Machado de Assis e conversa com ele sobre Camões.
O poeta, convencido de sua morte próxima (tinha tuberculose), escreve poemas e os publica, não se casando e somente encontrando a satisfação nos braços de suas amadas prostitutas. Combinara com Mário de Andrade, seu grande amigo, que ao morrer o mesmo faria um poema sobre Manuel. Morre Mário de Andrade e é justamente Manuel quem tem que escrever um poema sobre o amigo. Contra as expectativas, o poeta vê todos seus entes queridos morrerem: pai, mãe, irmão, melhor amigo, babá. Uma vida e tanto.

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6 comentários:

  1. ficou muito bom gostei muito parabéns!continue assim

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  2. Olá!
    Nossa, adoro Manuel Bandeira. Li pela primeira vez para fazer o vestibular e me apaixonei.

    Quanto a Los Angeles de Marian Keyes, vale a pena!

    Super beijo!

    Alessandra (Fútil mas Inteligente)

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  3. Tô precisando ler mais literatura nacional e outro gêneros! Tô muito no sobrenatural e as vezes dá um nó na cabeça!

    =)

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  4. Olá! Conheci seu blog hoje e adorei!
    Manuel Bandeira é muito bom mesmo!
    Ótimo post!
    Bjo

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  5. Hoje não poderia ser outro comentário.
    Passo para lhe desejar um Feliz Natal e que 2011
    lhe traga muita paz, alegria e felicidades.
    Abraço

    William
    www.tocadowilliam.com

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  6. Não adiante!!! Não consigo ler poemas. Os únicos que dá para tentar ler são os de Álvares de Azevedo, os demais não dá.
    Bjos, Carol.

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