Resenha: Roverandom - J.R.R. Tolkien
Autora: J. R. R. Tolkien
Editora: Martins Fontes
Ano da edição: 2003
Páginas: 127
ISBN: 85-336-1687-2
Tipo: literatura inglesa, romance, século XX, infantil
Sinopse: Em 1925, durante as férias, o pequeno Michael Tolkien perdeu, na praia, um cãozinho de brinquedo que ele adorava. Para consolá-lo, o pai, J.R.R. Tolkien, inventou uma história sobre um cachorro de verdade que é transformado em brinquedo por um mago e enviado por um "feiticeiro-da-areia" à Lua e ao fundo do mar. Mais de 70 anos depois, as aventuras do cachorro Rover, também conhecido pelo nome de "Roverandom", foram publicadas na Inglaterra.
“Era uma vez um cãozinho que se chamava Rover. Era muito pequeno e muito novinho, senão teria sido mais atento. E estava muito feliz brincando ao sol no jardim com uma bola amarela, senão não teria feito o que fez”. (página 1)
Consegui este livro através de uma troca no Skoob e não sosseguei enquanto não li (é o famoso livro "fura-fila", rs). Como a sinopse acima diz, o segundo filho de Tolkien, Michael, tinha um cachorrinho de brinquedo que adorava e de que nunca se separava. Quando a família foi à praia, ele o deixou na areia para jogar pedrinhas no mar; porém, o brinquedo era preto e branco e muito pequeno, difícil de ver naquele ambiente. O menino ficou muito triste e Tolkien, que sempre gostou de criar histórias para seus filhos (O Hobbit, Tom Bombadil e Cartas para Papai Noel são os maiores exemplos), contou Roverandom aos meninos. Algum tempo depois, a história foi transcrita para o papel (com algumas alterações, visto que ele era um exímio linguista) e enviada para edição, mas O Hobbit começava a fazer sucesso na época. Roverandom foi deixado de lado e Tolkien se dedicou à criação de uma de suas obras-prima, O Senhor dos Anéis.
Rover era um filhote e gostava muito de brincar com sua bola amarela. Um mago passa pela vizinhança e...
Quando o velho se abaixou e apanhou a bola - sua intenção era transformá-la numa laranja ou até mesmo num osso ou num pedaço de carne para Rover - Rover rosnou e disse:
- Largue a minha bola! - sem nem sombra de "por favor".
É claro que o mago, por ser mago, compreendeu perfeitamente e respondeu da mesma forma:
- Cale a boca, seu bobo! - sem nem sombra de "por favor".
Guardou então a bola no bolso, só para provocar o cachorro, e se voltou para ir embora. Lamento informar que Rover na mesma hora mordeu a calça do velho, rasgando um bom pedaço. Talvez ele tenha também arrancado um pedaço do mago. Seja como for, o velho de repente se virou furioso, aos gritos:
- Idiota! Agora você vai virar brinquedo!
(página 4)
É assim que começam as aventuras de Rover, o cachorrinho que virou brinquedo. Após ter sido transformado, ele é levado para uma loja e vendido a uma mulher, que é a mãe de dois meninos (o garoto número Dois seria o segundo filho de Tolkien, que se apaixona pelo brinquedo e não o larga mais).
De repente, enquanto estava debruçado para fora do bolso, um pássaro enorme, todo branco e cinzento, passou em alta velocidade logo acima da cabeça dos meninos, fazendo um barulho como se fosse um enorme gato com asas. Rover tomou um susto tão grande que caiu direto do bolso na areia fofa, e ninguém o ouviu. A ave enorme prosseguiu seu vôo e se afastou, sem perceber os latidos fraquinhos; e os meninos continuaram a caminhar pela areia sem pensar nele.
(página 10)
E o que me deixou curiosa a história toda: por que o nome do livro é Roverandom? (SPOILER - SELECIONE A ÁREA SEGUINTE PARA LER) Vocês devem lembrar que o original foi escrito em inglês. Rover significa explorador e random significa aleatório; portanto, o cachorrinho seria um explorador ao acaso. Além disso, ele vai para a lua e para o mar, onde há dois cachorros chamados Rover e que são mais velhos que ele; portanto, seu nome teria de ser diferente.
O Rover do Homem-da-Lua tinha bons ouvidos e de imediato pulou para o telhado da torre, latindo feito louco. Depois sentou-se e também rosnou.- Quem foi que trouxe esse outro cachorro para cá?- Que outro cachorro? - perguntou o Homem.- Aquele filhotinho bobinho nas costas da gaivota - disse o cão-da-lua.Então, é claro que Rover deu mais um pulo e latiu o mais alto que pôde.- Filhotinho bobinho é você! Quem disse que você podia se chamar Rover, uma criatura que mais parece um gato ou um morcego que um cachorro? - Disso dá para perceber que eles se tornariam amigos em pouco tempo. Seja como for, é assim que os cachorrinhos conversam com desconhecidos da sua própria espécie. (página 26)
Esta passagem é especialmente engraçada para mim, já que é tão inesperada: você lê pensando que os dois cachorros não terão um bom relacionamento, mas o narrador desconstrói essa imagem e ainda acrescenta: como você não deve saber, é assim que os cachorros se comportam.
O que achei da história?
Gostei muito de Roverandom: possui o estilo simples, mas elegante de Tolkien; é divertida, inesperada em alguns momentos (como disse acima), curta e nada cansativa. O ambiente também é diferente do que estava acostumada (a Terra-Média) e isso deu um ar totalmente novo à história - não me arrependo de tê-lo passado na frente de tantos outros! E até mesmo gostaria de poder esquecer a leitura só para reler e viver a emoção das surpresas de novo!
Por isso, quando surgiu uma oportunidade - Artaxerxes estava parado olhando embasbacado para a ponta visível da serpente, e seus corcéis não estavam prestando muita atenção a nada - ele se esgueirou e mordeu a cauda de um dos tubarões, de brincadeira. Para se divertir! Que engraçado! O tubarão deu um pinote direto para a frente, e a carruagem também saltou para a frente; e Artaxerxes, que acabava de dar meia-volta para embarcar nela, caiu de costas.
Então, o tubarão mordeu a única coisa que conseguiu alcançar naquela hora, que era o tubarão diante dele, e esse tubarão por sua vez mordeu o seguinte; e assim por diante, até que o último dos sete, não vendo mais nada para morder - Deus me livre! -, não é que o idiota foi e mordeu a cauda da Serpente-marinha? (página 88)
Consigo ver uma semelhança entre o estilo de Tolkien em seus livros infantis e o de J.K. Rowling em Harry Potter - esse jeito de tratar as crianças como seres tão brilhantes quanto os adultos, capazes de entender muitas coisas do mundo mágico e guardar segredo!
O que achei das personagens?
São divertidas, criativas e encantadoras, rs! Mas tenho de admitir que os magos e os cães são os meus favoritos - cada qual com sua maluquice, rs.
- Agora pare de sacudir essa barba, e mãos à obra! - disse ela. Mas, quando Artaxerxes viu a bolsa, por um instante sua surpresa foi grande demais para ele fazer qualquer coisa além de olhar para ela com a boca muito aberta.
- Vamos! - disse a mulher. - Esta é sua bolsa, não é? Eu a recolhi, com outras pequenas bugigangas que me pertenciam, no desagradável monte de lixo que você empilhou no jardim. - Ela abriu a bolsa para espiar dentro, e dali saiu a caneta-tinteiro-varinha-de-condão do mago, além de uma nuvem de fumaça engraçada, que se retorcia para criar formas estranhas e caras interessantes. (página 97)
Tolkien demonstra sua incrível capacidade de criar personagens diferentes, mas que são naturais ao leitor.
Comparativamente
Como descrito acima, Roverandom não possui semelhança de ambiente com os outros livros que se passam na Terra-Média, mas a comparação pode ser feita em torno do público-alvo: as crianças. Se não soubesse que este livro era de Tolkien e só tivesse lido O Hobbit, seria capaz de adivinhar. O estilo de escrita é idêntico - o jeito de descrever os magos, os animais, até mesmo as personalidades! Todavia, acho que Roverandom é mais fácil de entender, já que seu mundo é menor e mais próximo à nossa realidade que o citado anteriormente.
A edição
O meu exemplar não é novo, mas devo dizer que estava muito bem conservado. A capa é muito bonita (esta cor vermelha dá um bom destaque), mas a imagem do dragão serve mais para chamar a atenção, pois não senti uma grande importância para ele na história. As páginas são resistentes e amareladas, o que facilita a leitura. A diagramação também é bem organizada. O livro possui um prefácio explicativo (como a história surgiu?) e uma análise de várias frases e trechos, demonstrando as diversas influências da época neste texto. Para completar, há algumas ilustrações de Tolkien, o que o torna ainda mais especial.
Notas
● Enredo: 5/5● Exemplar: 4/5;
Sobre o autor
Sir John Ronald Reuel Tolkien foi um escritor, professor universitário e filólogo britânico.
Tolkien nasceu na África do Sul e aos três anos de idade, com sua mãe e irmão, passou a viver na Inglaterra, terra natal de seus pais. Desde pequeno fascinado pela lingüística, cursou a faculdade de Letras em Exeter. Lutou na Primeira Guerra Mundial, onde começou a escrever os primeiros rascunhos do que se tornaria o seu "mundo secundário" complexo e cheio de vida, denominado Arda, palco das mundialmente famosas obras O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, esta última, sua maior paixão, que, postumamente publicada, é considerada sua principal obra, embora não a mais famosa.