Resenha: O Véu Pintado - William Somerset Maugham


O Véu Pintado
Autor: William Somerset Maugham
Editora: Record
Ano da edição: 2005
Páginas: 268
ISBN: 85-01-01725-6
Tipo: literatura inglesa, romance, século XX. 

Sinopse: 
Kitty é a deslumbrante mas superficial esposa do Bacteriologista Walter Fane, alocado no protetorado britânico de Hong Kong. Insatisfeita com a vida conjugal, a jovem se apaixona por um diplomata inglês. O caso é descoberto pelo marido, que inicia uma terrível vingança: ele pede transferência para uma região remota da China, onde ocorre um surto de cólera. Uma verdadeira obra-prima, de autoria de um dos maiores nomes da literatura inglesa do século XX.


“Ela soltou um grito assustado.
– O que foi? – perguntou ele.
Apesar da penumbra em que as persianas corridas mergulhavam o quarto, ele viu o rosto dela subitamente desfigurado pelo terror.
– Alguém tentou abrir a porta.
– Bem, talvez fosse a amah, ou algum dos criados.
– Nunca aparecem aqui a esta hora. Sabem que faço sempre a sesta depois do almoço.
– Quem mais poderia ser?
– O Walter – sussurrou ela com lábios trémulos.
Apontou para os sapatos dele. Ele tentou calçá-los, mas o nervosismo dela roubava-lhe a destreza, pois tanta ansiedade estava a afetá-lo e, além disso, os sapatos estavam do lado mais apertado da cama. Com um breve suspiro de impaciência ela deu-lhe a calçadeira. Em seguida ela própria vestiu um quimono e dirigiu-se descalça para o toucador. Usava o cabelo muito curto e, com um pente, tinha conseguido retocar-lhe a desordem antes de ele acabar de apertar o segundo sapato. Estendeu-lhe o casaco.
– Como é que eu saio?
– É melhor esperar um bocadinho. Vou espreitar para ver se está tudo bem.
– Não pode ser o Walter. Ele só sai do laboratório às cinco.
– Então quem será?” (página 11 - a primeira do romance)

Em meados de 2009, assisti a um filme chamado "O Despertar de Uma Paixão". Achei bastante denso (apesar de clichê) e decidi procurar mais sobre ele. Descobri que era baseado em um livro - O Véu Pintado. Como os livros geralmente são mais abrangentes que os filmes, comprei... E só tive a oportunidade de finalizar agora.

Antes de falar sobre a história propriamente dita, gostaria de comentar o prefácio do autor, onde ele explica como começou esta história:

Como já tinha lido o Inferno (com a ajuda de uma tradução, mas procurando conscienciosamente no dicionário as palavras que não sabia), comecei o Purgatório com a Ersilia. Quando chegamos à passagem que atrás transcrevi, ela disse-me que Pia era uma fidalga de Siena cujo marido, suspeitando que ela cometia adultério, mas receando mandá-la matar por causa da família dela, a levou para o seu castelo de Maremma onde acreditava que os vapores venenosos fariam o trabalho; ela, porém, demorava tanto a morrer que ele, impaciente, ordenou que a atirassem da janela. (página 09)

Nesta altura de sua vida, o autor viajava pela Europa para completar seus estudos em medicina. Quando chegou à Itália, conheceu esta moça, Ersília, que o ensinava o idioma. Leram várias obras; dentre elas, Purgatório, de Dante.
Deb, quando tu sarai tornato al mondo,E riposato della lunga via,Seguito il terzo spirito al secondo,Ricorditi di me, che son la Pia:Siena mi fè; disfecemi Maremma:Salsi colui, che, innanellata priaDisposando m’avea con la sua gemma. 
("Peço-te que, quando ao mundo tornares, e da longa jornada repousares, seguido que for o terceiro espírito ao segundo, te recordes de mim, que sou a Pia. Siena me fez, Maremma me desfez: sabe-o aquele que após noivar me desposou com o seu anel.") (Página 7)

A passagem acima estimula Ersília a contar a história da fidalga Pia (como o próprio autor explica). Isto o inspira a criar Kitty, uma fidalga não tão ilustre quanto a outra, mas também adúltera. Ela se casa com Walter, um bacteriologista inglês que residia em Hong Kong, por falta de opção (estava ficando "velha" e sua irmã, que era feia, estava para se casar com um barão). O esposo era mais do que apaixonado por ela e fazia todas as suas vontades, mas Kitty não se sentia verdadeiramente tocada por ele. Às vezes, ele a causava até repulsa. É neste momento que ela conhece Charlie, um embaixador. Os dois têm um caso intenso, mas Walter descobre a traição e, como vingança, decide aceitar o trabalho de médico no interior da China, onde uma grande epidemia de cólera acontecia. 

Ameaçada com o divórcio caso não aceitasse ir com ele (devemos nos lembrar que nessa época uma mulher "desquitada" era uma grande vergonha para si e para a família), Kitty tenta recorrer a Charlie para que se separe de Dorothy, sua esposa; ele, porém, recusa. Sem escolhas e dentro de um casamento infeliz, conhecendo um Walter que não a ama mais, que a repudia e que se enoja de si mesmo por ter confiado nela, Kitty o acompanha em uma missão que mais parece uma roleta russa para ambos.

Confesso que esperava algo romântico e clichê como no filme, mas um pouco mais maduro. Fui, todavia, completamente surpreendida. O Véu Pintado não se trata de uma história de redenção ou de um amor romântico puro. Ao contrário: conta a história de Kitty, uma mulher fútil, quase infantil, que cresce e amadurece frente a provações que a vida lhe impõe e que tem a oportunidade de valorizar mais sua própria existência quando se encontra em um ambiente tão desolado, mas que também volta a cometer erros, que trai seus próprios sentimentos, que dá a volta por cima... Resumindo, uma humana com suas falhas, qualidades e complexidade. Sua história com Walter é apenas um pretexto. Apesar disso, tenho de admitir que Kitty me pareceu muito estúpida, mesmo depois de tudo pelo que passou. Há também algumas personagens mortas, de passagem, que poderiam ter sido melhor exploradas em sua relação com a protagonista.

Também é perceptível o conhecimento cultural do autor. Além do que já foi exposto, o livro possui vários pontos de intertextualidade, mesmo em situações bastante dramáticas e tensas (como durante a morte de alguma personagem), mas sem a presença de digressões, o que o torna bastante diferente de livros como Memórias Póstumas de Brás Cubas ou Viagens na Minha Terra (além de a narração se dar na terceira pessoa do singular, configurando um narrador onisciente).

A capa faz jus ao tema principal da história: Kitty, e tão somente Kitty. Em se tratando de psicologia das cores, o roxo:

É a cor da prudência, remete a sabedoria, filosofia, sofisticação e contemplação. Tem a ver com o emocional, o espiritual e transmite profundidade e experiência. É utilizado para comunicar melancolia, realeza, dor, sentimentos intensos, religiosidade, magia, sofisticação e suntuosidade. (Fonte)

O que se encaixa perfeitamente com o intuito do livro. A diagramação foi muito bem feitas; as páginas são amareladas e de boa textura, o que não cansa o leitor e evita que o livro seja danificado facilmente.



Nota

Enredo: 4,5/5
Edição: 5


O Autor
William Somerset Maugham nasceu em 25 de janeiro de 1874, em Paris (França). Sua infância foi difícil: gago, ficou órfão aos 10 anos, sendo criado por um tio em Canterbury (Inglaterra).
Maugham cursou a faculdade de medicina em Londres. Sua experiência como médico foi transposta para o primeiro romance, Liza, A Pecadora (1897). Embora tenha tido pouco sucesso, Maugham abandona a medicina para dedicar-se à literatura.
Somerset Maugham é o autor de Histórias dos Mares do Sul (1921), Antes do Amanhecer (1942) e O Fio da Navalha (1944), entre muitos outros livros.


Esta resenha faz parte do Desafio Literário do grupo Devoradores de Livros.

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